Os transtornos globais do desenvolvimento (TGD) são condições que, segundo a quarta edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), incluem: transtorno autista (TA),síndrome de Asperger (AS), transtorno invasivo do desenvolvimento sem especificação (TID-SOE), síndrome de Rett e transtorno desintegrativo da infância.
O conceito de transtorno de espectro autista (TEA) surge diferenciando estas cinco condições e agrupando o autismo, a síndrome de Asperger e os TGD-SOE (MERCADANTE et. al., 2006). Referem-se a um grupo de distúrbios da socialização com início precoce, geralmente antes dos 3 anos, e curso crônico (KLIN, 2006) e são caracterizados por um quadro clínico no qual os indivíduos demonstram diminuição qualitativa da comunicação e da interação social, restrição de interesses, além de apresentarem comportamentos estereotipados e maneirismos (WHO, 1993; APA, 1995).
As apresentações clínicas podem variar tanto em relação ao perfil da sintomatologia quanto ao grau de comprometimento. Estes transtornos configuram-se como distúrbios do neurodesenvolvimento decorrentes de alterações nos circuitos do cérebro social, interferindo nos processos de desenvolvimento social, cognitivo e da comunicação.
A heterogeneidade das manifestações comportamentais e os diferentes graus de acometimento estão relacionados a uma possível natureza dimensional do transtorno e que, por natureza, são transtornos do neurodesenvolvimento que acometem mecanismos cerebrais de sociabilidade básicos e precoces (KLIN, 2006). Apesar da etiologia do TGD não estar totalmente estabelecida, diversos estudos apontam associações deste com alterações genéticas e de bases neurológicas, além de acidentes pré-natais, distúrbios metabólicos e infecções pós-natais (SLONIMS, BAIRD, CASS, 2003). Portanto, qualquer tentativa de compreendê-los requer uma análise em diferentes níveis, como do comportamento à cognição, da neurobiologia à genética, e as estreitas interações entre cérebro, ambiente e comportamento ao longo do tempo (KLIN & MERCADANTE, 2006).
O autismo clássico e a Síndrome de Asperger são os mais conhecidos entre os TGD. Esses indivíduos geralmente exibem alterações cognitivas que acarretam dificuldades para compreender situações sociais e as regras implícitas no relacionamento interpessoal, comunicar-se de maneira interativa, lidar com situações inusitadas e ser capaz de regular os seus comportamentos de acordo com o contexto. Desta maneira, são indivíduos normalmente inflexíveis, apegados à rotina e a interesses específicos, o que os torna muitas vezes inadequados e desadaptados socialmente (KLIN, 2006). Os primeiros trabalhos só começaram a ser descritos em 1956, por Kanner , o que pode considerá-lo um transtorno muito novo, porém, neste período, não têm faltado esforços e pesquisas nas mais diversas áreas de investigação para o entendimento destes transtornos. Dezenas de pesquisas já foram realizadas para estabelecer a prevalência de TID. O primeiro estudo epidemiológico sobre autismo foi realizado por Lotter , em 1966, na Inglaterra, que verificou uma taxa 4,1/10.000 para autismo infantil. Durante o período de 1966 a 1991, a taxa média de prevalência para autismo infantil encontrada nos estudos era de 4,4/10.000. Posteriormente, a prevalência atinge 12,7/10.000 nos estudos realizados até 2001. Os estudos atuais apontam estimativas de taxas de prevalência de TGD, variando entre 20 e 66 para 10.000 indivíduos (FOMBONNE et al, 2006; WILLIANS; BRAYNE; HIGGINS, 2006), sendo que o Center for Disease Control and Prevention estimou, em 2007, a taxa de 6,7 para cada 1000 crianças em idade escolar ou seja, não sendo, portanto, mais considerado um transtorno raro (MOLLOY et al , 2009) . Nota-se que houve um aumento na taxa de prevalência estimada por estudos atuais. Este aumento se deve provavelmente à ampliação do conceito ao longo do tempo e do maior conhecimento das condições médicas dos TGD. Além disso, fatores diversos, como diferenças metodológicas empregadas nas pesquisas e maior aceitação da comorbidade do autismo como síndrome do X frágil, esclerose tuberosa, SD, entre outras patologias, contribuem para essa variação (FOMBONNE, 2003; WILLIAMS, BRAYNE, HIGGINS, 2006). Finalmente, existem evidências na literatura de que há uma maior incidência de autismo em meninos do que em meninas, sendo a proporção de quatro meninos para cada menina (CHARMAN, 2002). Outro fator de extrema importância são as condições médicas associadas aos TEA. Essas condições são bastante comuns, sendo consideradas mais freqüentes a epilepsia, o X frágil, a esclerose tuberosa e a síndrome de Down (FOMBONNE, 2003; VOLKMAR, 2002; WILLIAMS, BRAYNE, HIGGINS, 2006). Com relação à síndrome de Down, os últimos estudos têm apontado para uma prevalência dessa associação muito maior do que antes descrita e que, quando feito o diagnóstico e as intervenções adequadas, os prognósticos e resultados são melhores (LOWENTHAL et. al., 2007, MOLLOY et. al., 2009; HEPBURN et. al., 2008). Cognição Social e Funções Executivas Nas últimas décadas, as pesquisas em neurociências têm se desenvolvido com rapidez e eficiência. Várias são as áreas beneficiadas com este novo conhecimento científico. A educação pode se beneficiar desses conteúdos e o processo de ensino e aprendizado pode ser melhor compreendido quando se utiliza a neurociências como mais uma ferramenta. O professor com esses conhecimentos enriquecerá seu repertório na forma de ensinar seus alunos e com isso entenderá melhor a forma de aprendizado de cada um. O cérebro social é definido pelas neurociências como conjunto de regiões cerebrais que são ativadas durante o desempenho de atividades sociais. Essas estruturas estão ligadas umas as outras formando redes neurais (KLIN, ROSARIO, MERCADANTE, 2009).
A cognição social é o processo neurobiológico ou cognitivo que elabora a conduta adequada em resposta a outros indivíduos da mesma espécie, especificamente, aqueles processos cognitivos superiores que sustentam as condutas sociais extremamente diversas e flexíveis (ADOLPHS, 1999), ou seja, é o processo que permite humanos interpretar adequadamente signos sociais.
A cognição social lida com o mundo estritamente social, não com os mundos físico e lógico-matemático, embora todos os três obviamente tenham as marcas do engenho cultural humano (FLAVEL, MILLER, MILLER, 1999). Segundo Escartí (2002), são estas estruturas cognitivas que constituem a base do comportamento humano e que influenciam a conduta social do sujeito e as suas respostas emocionais e afetivas perante um grupo. Desta forma, o objeto de estudo da cognição social é a análise dos comportamentos humanos, levando em conta as condições pessoais e da situação. Se, por
um lado, a parte social reconhece a importância do envolvimento no comportamento humano, por outro a parte cognitiva realça a influência que têm os processos de pensamento e as estruturas mentais os quais possibilitam o processamento de informação e interferem na construção da nossa realidade do mundo. Na teoria do processamento de informação, o cérebro pode ser caracteriza do funcionalmente como um dispositivo biológico para o processamento de informação. A cognição, enfim, é um processo de construção interna do conhecimento, incluindo atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e discurso (VARELA et. al., 2003).
Várias estruturas anatômicas são implicadas nestes processos: a amígdala, o córtex pré-frontal ventromedial, a ínsula e o córtex somatosensorial direito (BEER, OCHSNER, 2006). O córtex pré-frontal ventromedial está comprometido com o raciocínio social e com a tomada de decisões; a amígdala, com o julgamento social de faces; o córtex somatossensorial direito, com a empatia e com a simulação; enquanto a ínsula, com a resposta autonômica. Essas estruturas cerebrais atuam como mediadores entre as representações perceptivas dos estímulos sensoriais e a recuperação do conhecimento que o estímulo pode ativar .
A capacidade de empatia ou a habilidade de detectar o que outra pessoa sente é medida pela capacidade de poder reproduzir em nosso próprio organismo um estado emocional similar . Para isso, devem estar preservados os mecanismos de interpretação de signos emocionais relevantes, bem como o córtex somatosensorial direito e a ínsula (CASELLI, 1997). Uma das maneiras possíveis de se investigar a capacidade de um indivíduo de interpretar a expressão emocional de uma face é reproduzir a expressão da face no próprio organismo (através do córtex somatossensorial direito e da ínsula) e detectar o sentimento que desencadeia (ADOLPHS, 1999). Nessa situação, os pacientes com lesão em tais áreas apresentam transtornos no juízo emocional de faces (ROLLS et.al., 1994).
À medida que a criança cresce de maneira normal, aprende a manipular essas emoções conforme as normas e expectativas sociais (ROLLS, 2000), desenvolvendo uma correta cognição social. Assim, o córtex pré-frontal ventromedial permite uma integração entre a percepção de uma emoção e a resposta que desencadeia, seja uma conduta complexa elaborada pelo neocórte orbitário, seja uma resposta autonômica ou motora (incluída a atenção) através das eferências amigdalinas (BELISÁRIO FILHO, 2009). Os fatores cognitivos que mais influenciam o processamento da informação são: percepção, atenção e memória. A percepção pode ser definida como "entrada na consciência de uma impressão sensorial" (GRECO, 2002), através da qual o sujeito forma uma imagem de si próprio e do ambiente que o rodeia. De acordo com Eysenck e Keane (1994), este processo de transformação da realidade factual (objetiva) em realidade pessoal (subjetiva) envolve uma mobilização e operacionalização dos mecanismos cerebrais centrais. Os processos perceptivos, que se estabelecem na interação do sujeito com o meio, diferenciam-se conforme a tarefa a ser realizada. O sujeito acredita e aceita os que as suas impressões sensoriais recebem, porém a sua percepção poderá ser influenciada pela sua realidade pessoal (experiências e vivências anteriores). Para que se tenha percepção, é necessário recorrer aos mecanismos de atenção de modo que o sujeito tome consciência dos estímulos que o envolvem (VIANA & CRUZ, 1996) e que os reconheça e/ou compare com as informações contidas na memória. A partir deste processo, é que a informação será processada e será feita a tomada de decisão e ação. A escolha e interpretação da informação dependem da estrutura cognitiva e das relações pessoais e ambientais, ou seja, resulta da interação (que abrange informações sobre si próprio) e o meio ambiente (forma como as informações sobre o que se passa a sua volta são percebidas) (GRECO, 2002).
A atenção é o processo que nos "leva a dirigir e manter a consciência nos estímulos percebidos" (VIANA & CRUZ, 1996), vindos do meio com o qual interagimos e/ou do nosso organismo. Este mecanismo é crucial na determinação da informação que deve ou não ser retida na memória, o que afeta a quantidade e extensão a ser armazenada para posterior utilização. O processo de guardar a informação na memória é um dos aspectos mais importantes do processamento de informação humana, uma vez que este sistema depende da interação da informação nova, que é apresentada ao sujeito, com a informação retida anteriormente (GODINHO et. al., 1999). A memória é conceituada como a capacidade que os seres humanos possuem de separar e organizar as informações dos estímulos recebidos. Na aprendizagem, este processo é de extrema relevância (ibidem). A memória permite evocar informações passadas, confrontando-as com outras mais recentes. E é desta associação de informações que resulta a dinâmica das nossas relações sociais e a formação das impressões acerca das outras pessoas. A teoria da cognição social elucida o modo como o desenvolvimento cognitivo auxilia e possibilita a formação do apego. O interesse pelo meio social nas crianças é evidente desde o nascimento. A criança busca seus parceiros sociais através de mecanismos básicos de socialização, como a atenção seletiva para faces sorridentes ou vozes agudas e brincadeiras. O desenvolvimento das habilidades sociais, cognitivas e de comunicação se estabelece a partir desta troca que por reciprocidade tornam-se altamente reforçadoras tanto para a criança quanto para seu parceiro social (MONTENEGRO, 2009). Flavell et. al. (1999) descrevem cinco pré-requisitos cognitivos para a formação do apego: (1) a capacidade crescente dos bebês de fazer discriminações visuais finas; (2) o potencial para processar os sons da fala humana; (3) a capacidade do bebê de construir expectativas quanto às interações recíprocas com um adulto; (4) o desenvolvimento da permanência dos objetos, sendo particularmente em primeiro lugar o da permanência da mãe; e (5) competência precoce dos bebês para a imitação, que leva a uma atenção seletiva para determinadas figuras do ambiente. Cognição e afeto são duas dimensões indissociáveis, e a separação entre elas acontece no plano teórico muito mais por conveniência do que por se tratar de dimensões distintas e independentes da mente (FORGAS, 2001). É importante levar em conta que o relacionamento entre cognição e emoção é crucial para a compreensão do desenvolvimento em geral. O desenvolvimento cognitivo, portanto, permite que a criança assuma um papel diferente em suas interações sociais e seus relacionamentos: uma troca para um papel de participante mais ativo e intencionalmente dirigido. Os próprios relacionamentos se tornam mais maduros em virtude da nova habilidade do bebê em desconstituir laços discriminados e duradouros (BELISARIO FILHO, 2009).
A cognição social envolve a compreensão sobre as pessoas, suas ações e a relação entre os próprios sentimentos, pensamentos e ações, tanto quanto a relação entre esses aspectos pessoais e os aspectos correspondentes nas outras pessoas vinculadas ao apego pode possibilitar e facilitar maior atenção e conscientização das pessoas nas suas relações, reconhecendo e discriminando os seus padrões dessas interações. As funções executivas possibilitam ao indivíduo desenvolver comportamentos adaptativos por intermédio de habilidades que envolvem planejamento estratégico, flexibilidade e regulação da ação baseada em pistas fornecidas pelo meio (MERCADANTE, 2009). É a capacidade de manter um posicionamento para resolver adequadamente um problema futuro. A criança desenvolve gradativamente estas funções, o que possibilita aquisições para a cognição social e para a formação dos laços de apego (SECRETARIA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2007).
Alterações nos Transtornos Globais do Desenvolvimento e Inclusão Escolar . Os indivíduos com TGD apresentam alterações na estrutura e no funcionamento do cérebro, bem como déficits significativos em habilidades sócio cognitivas, prejuízos no reconhecimento, entendimento e compartilhamento de suas emoções com os outros. A partir dos conceitos de cognição social, pode-se pensar que os TGD são um transtorno de cognição social. A inabilidade social é resultante da dificuldade em entender o próprio estado mental, assim como o dos outros. Esse prejuízo parece advir do escasso contato olho a olho e da incapacidade de imitação de outras funções primárias na construção de um cérebro social (MERCADANTE & ROSARIO, 2009). Pacientes com autismo, que possuem anormalidades estruturais ou funcionais na amígdala, não têm capacidade de atribuir um estado mental ou inferir uma emoção em outra pessoa através do olhar . Isso foi demonstrado através de estudos funcionais e deu lugar à teoria do transtorno amigdalino no autismo (BARON-COHEN et. al., 2000).
Estudos mostram uma relação entre alterações na comunicação, interação social e comportamento repetitivo e restritivo, com disfunções cognitivas, principalmente funções executivas e percepção social. Os indivíduos com TGD apresentam déficits em funções executivas que envolvem principalmente o planejamento e a flexibilidade mental. O planejamento é uma operação mental complexa e dinâmica que envolve a organização seqüencial de ações, constantemente monitoradas e reguladas pelo próprio indivíduo. A flexibilidade mental caracteriza-se pela capacidade de modificar/adaptar pensamentos ou ações conforme mudanças de contextos, sendo que um prejuízo nessa função pode acarretar comportamentos repetitivos e estereotipados (ARAÚJO & VALLE, 2009). Riviere (2001) aponta que os indivíduos com TGD apresentam uma importante alteração na função executiva, a flexibilidade. Essa função está muito alterada nesses pacientes e, quanto mais grave o quadro, mais grave a inflexibilidade. Com o desenvolvimento e na presença de ambientes favoráveis, alguns pacientes se tornaram mais flexíveis. Deste modo, a inclusão escolar é a melhor e a mais adequada estratégia de modificarmos os ambientes sociais para acolher essas crianças. Dez crianças autistas foram estudadas por Boutot e Bryant (2005) em classes regulares da educação fundamental, onde observaram o efeito cognitivo das relações sociais. Esse trabalho mostrou que, na avaliação de aceitabilidade, popularidade, visibilidade e amizade com o grupo, não houve nenhuma diferença em relação às crianças sem autismo, pois as crianças com autismo eram chamadas para brincar no recreio, participar de festas de aniversário, trabalhar em projetos escolares, entre outras coisas. Concluiu-se também que características autísticas, como comunicação, comportamentos estereotipados e falta de socialização não atrapalharam na construção das relações sociais.
A partir do direito e de experiências que estão acontecendo no Brasil, percebe-se em crianças, adolescentes e jovens com TGD uma melhora em seus quadros clínicos quando elas freqüentam classes comuns do ensino regular. Diversos trabalhos têm sido publicados, nos quais são contadas experiências individuais e pontuais de alunos com TDG em escolas regulares, seja no ensino infantil, seja no ensino fundamental (CARVALHO, 2009; SECRETARIA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2007). A educação é a base de toda construção social, intelectual, de interação e crescimento individual. Se a criança for estimulada a descobrir seu potencial desde cedo, as dificuldades deixam de persistir em tudo o que ela faz, precisando, portanto, de novos desafios para aprender a viver cada vez mais com autonomia, e não há lugar melhor do que a escola para que isso se concretize. O acesso de crianças com TGD na rede regular pode promover grandes avanços em seu desenvolvimento nos processos de ensino-aprendizagem, socialização e inserção ao meio social, principalmente quando contamos com profissionais capacitados nas escolas e o auxílio de uma equipe multidisciplinar (CARVALHO, 2009).
A inclusão escolar possibilita às crianças com TGD oportunidades de convivência com outras crianças da mesma idade, constituindo-se num espaço de aprendizagem e de desenvolvimento social. Possibilita-se o estímulo de suas capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo. Acredita-se que as habilidades sociais são passíveis de serem adquiridas pelas trocas que acontecem no processo de aprendizagem social. A oportunidade de interação compares é a base para o desenvolvimento de qualquer criança. A partir destas considerações, fica evidente que crianças sem problemas no seu desenvolvimento fornecem modelos de interação para crianças com TGD, ainda que a compreensão social seja difícil. Acredita-se que a convivência compartilhada das crianças com TGD na escola possa oportunizar os contatos sociais e favorecer não só o seu desenvolvimento, mas o das outras crianças, na medida em que estas últimas convivam e aprendam com as diferenças. Entretanto, este processo requer respeito às diferenças de cada criança. O relacionamento do professor foi observado em alguns trabalhos. Quando os professores percebiam mais positivamente seu relacionamento com os alunos com TGD, o índice de problemas de comportamento destas crianças foi menor e elas foram mais socialmente incluídas na sala de aula (BRANDT & CONNIE,2003). Fica claro que, quando o professor consegue trabalhar seus medos, seu desconhecimento e a escola abraça o aluno com TGD como um aluno que faz parte da escola, o êxito nos processos são significativos. Bosa (2002), em um estudo exploratório sobre as expectativas dos professores frente à possibilidade de inclusão de alunos com autismo em suas classes, demonstrou que os professores manifestaram uma tendência a centralizar suas preocupações em fatores pessoais, como medo, ansiedade frente à sintomatologia mais do que a criança em si. Os professores, também, apresentam idéias distorcidas a respeito do autismo, principalmente quanto à capacidade de comunicação.
Em 2004, Serra verificou os efeitos da inclusão nos comportamentos de uma criança com autismo na escola regular . Os resultados mostraram que a inclusão trouxe benefícios para a criança, como a melhora significativa da concentração nas atividades propostas, bom estabelecimento de relacionamentos com os colegas e no comportamento de atender as ordens. Além disso, efeitos positivos na família proporcionaram um maior investimento na aprendizagem da criança e um maior aumento nas suas potencialidades. Outro fator importante observado foi os benefícios que a escola teve a partir da inclusão deste aluno, pois outras crianças com deficiência ingressaram na escola e a equipe passou a estudar teorias que embasam a Educação Especial nos grupos de formação continuada de professores. Quando estudada a perspectiva dos pais de crianças com TGD quanto ao seu sucesso da inclusão escolar , observou-se um aumento de benefícios da inclusão na escola comum comparado aos da educação especial e o aumento das habilidades cognitivas, sociais e de comunicação das crianças, embora com dificuldades (LI, 2002). Charman, Howlin, Berry e Prince (2004) demonstraram, através de entrevista com 125 pais de crianças com autismo (57 das quais foram refeitas após um ano de inclusão de seus filhos), os progressos no desenvolvimento de crianças, tais como mudanças positivas nas habilidades de socialização e de comunicação. Um estudo de observação sistemática de interações das crianças na escola entre uma criança com desenvolvimento típico e uma com autismo, da mesma idade e sexo, demonstrou diferenças e semelhanças no perfil de interação das duas crianças. Enquanto o perfil de competência social da criança com desenvolvimento típico praticamente não variou entre os contextos, a criança com autismo demonstrou uma freqüência maior de comportamentos de sociabilidade/cooperação e asserção social e menor freqüência de agressão e desorganização do self, no pátio (CAMARGO, 2007)
Educação Inclusiva
De acordo com os princípios e fins da educação nacional, a educação é inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. A prática pedagógica é um elemento-chave na transformação da escola, estendendo essa possibilidade de transformação à sociedade. Em função do tema da diversidade, as práticas pedagógicas têm caminhado no sentido da pedagogia das diferenças (MENDES, 2002).
Promover a inclusão significa, sobretudo, uma mudança de postura e de olhar acerca da deficiência. Implica em quebra de paradigmas, em reformulação do nosso sistema de ensino para a conquista de uma educação de qualidade, na qual o acesso, o atendimento adequado e a permanência sejam garantidos a todos os alunos, independentemente de suas diferenças e necessidades . Segundo Mantoan (2003), a "inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender , mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral". A inclusão escolar propõe uma nova educação, pois reconhece aquele que, até então, estava excluído da relação professor-aluno. Desse modo, o aluno com deficiência é visto como parte de uma relação complementar , na qual um se constitui através do outro.
A inclusão total e irrestrita e o direito à diferença nas escolas é uma oportunidade que se tem para reverter a situação da maioria das escolas, as quais atribuem aos alunos as deficiências que são do próprio ensino e raramente analisa o que e como a escola ensina, de modo que os alunos não sejam penalizados pela repetência, a evasão, a discriminação, a exclusão (MANTOAN, 2003). Segundo Mittler (2003), por mais comprometido que o governo seja com a questão da inclusão e da exclusão em sala de aula, "são as experiências cotidianas das crianças na sala de aula que definem a qualidade de sua participação e a gama total de experiências de aprendizagem oferecidas em uma escola". Outro valor de extrema importância é o perfil desse currículo: crianças apoiando crianças; um processo de inclusão escolar para ser bem-sucedido vai depender da participação das outras crianças. A proposição é que cada vez mais os professores assegurem que as crianças com habilidades variadas aprendam umas com as outras. Educando todos os alunos juntos, as pessoas com deficiência têm oportunidade de preparar-se para a vida na comunidade, os professores melhoram suas habilidades profissionais e a sociedade toma a decisão consciente de funcionar de acordo com o valor social de igualdade para todas as pessoas, com os conseqüentes resultados de melhoria da paz social (KARAGIANNIS, STAIN-BACK & STAINBACK,1999).
Considerações Finais
A inclusão escolar pede que novos contextos escolares sejam criados para que todas as crianças, adolescentes e jovens, independente de suas condições humanas, possam participar da escola. Pensar inclusão escolar a partir das pessoas com TGD é enriquecer e diversificar o processo ensino/aprendizagem. Devemos lembrar que o espectro de sintomatologia e características das pessoas com TGD é tão amplo e tão diverso que se torna impossível traçar normas de como deve ser feita a inclusão destes alunos. A escola deve, a partir da sua realidade e das características individuais de cada aluno, buscar estratégias para que o processo de ensino/aprendizagem aconteça com qualidade. A possibilidade que cada aluno traz e os objetivos traçados no projeto político pedagógico de cada escola é que fará com que a educação seja de qualidade para todos.A escola pode ser de fato um lugar de competência social para qualquer criança, mas pode ser especialmente importante para as crianças com TGD. É neste espaço que elas podem aprender com outras crianças, exercitar a sociabilidade por mais comprometida que seja e finalmente exercer um direito indisponível, o da educação. A prática urge medidas de transformação do contexto escolar . É preciso que se conheçam melhor conceitos como de cognição, de neurociências, do processo de aprendizado, os quais possam auxiliar os professores com cada aluno no seu dia a dia. Além disso, as práticas devem ser cada vez mais documentadas, pois poucas são as pesquisas que temos ainda quando falamos de inclusão escolar de alunos com TGD.
Referências
ADOLPHS, R. How do we know the minds of others? Domain-specificity, simulation, and enactive social cognition. Brain Research,v. 1079, 2006, p. 25-35.
AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION: DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
ARAUJO, C. I. L.; VALLE, S. L. R. Avaliação Neuropsicológica. In: MERCADANTE, M.
T., ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
BARON-COHEN, S., et al. The amygdale theory of autism. Neurosci Biobehav Rev,
V. 24, n.3, 2000, p. 355- 364.
BEER, J. S.; OCHSNER, K. N. Social cognition: A multi level analysis. Brain Research, v.1079,,2006, p. 98-105.
BELISÁRIO FILHO, J. F. Inclusão escolar na perspectiva da saúde mental: um estudo com adolescentes de áreas de risco da cidade do Rio de Janeiro. Tese (Tese de Doutorado). Belo Horizonte: Fundação Osvaldo Cruz, 2009.
BOSA, C. A. Autismo: Atuais interpretações para antigas observações. In: BAPTISTA, C. R., BOSA, C. A. Autismo e Educação: Reflexões e propostas de intervenção. Porto Alegre: Artmed, 2002.
BOUTOT, E. A.; BRYANT, D. P . Social integration of studies with autism in inclusive settings. Education and training in devel pomental disabilities, V. 40, n. 1, 2005, p.
14-23.
CARVALHO, R. Inclusão e escolarização de alunos autistas. Pedagogia em Ação, V. 1, n. 1, 2009, p 111-114.
CASELLI, R. Tactile agnosia and disorders of tactile perception. In: FEINBER, T. E, FARAH, M. J. (Org). Behavioral neurology and neuropsychology. New York: McGrawHill, 1997.
CENTER FOR DISEASE OF CONTROL
AND PREVENTION. Evaluation of a methodology for a collaborative multiple source urveillance network for autism spectrum disorders. Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network. United States: MMWR Surveill Summ, V. 56, n. 1,2007, p. 29-40.
CAMARGO, S. P . H. Competência social, inclusão escolar e autismo: um estudo de caso comparativo. Dissertação (Dissertação de Mestrado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.
Inclusao 8 - FNDE - 04 - Troca de fotos.qxd 19/5/2010 17:10 Page 45Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010 46
CAMARGO, S. P . H.; BOSA, C. A. Competência social, inclusão escolar e autismo: revisão critica da literatura. Psicol. Soc,V. 21, n. 1, 2009.
CHARMAN, T. The prevalence of autism spectrum disorders, recent evidence and future challenges. European Child & Adolescent Psychiatry, V. 11, 2002, p. 259-266.
CHARMAN, T., et al. Measuring developmental progress of children with autism spectrum disorder on school entry using parent report. Autism, V. 8, 2004, p. 89- 100.
ESCARTÍ, A. La teoria cognitiva social em el estúdio de la practica de ejercicio. In: SIDÓNIO, S.; DUARTE, A. Psicologia do desporto e do exercício: compreensão e aplicações. Lisboa: Sociedade Portugue- sa de Psicologia do Desporto, 2002.
EYSENCK, M.; KEANE, M. Psicologia Cognitiva: Um Manual Introdutório. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FLAVELL, J. H.; MILLER, P . H.; MILLER, A. S. Desenvolvimento Cognitivo. Porto Alegre: Artmed,1999.
FOMBONNE, E. Epidemiological surveys of autism and other pervasive developmental isorders: an update. Journal of Autism and Developmental Disorders, V. 33, n. 4, 2003, p. 365-382.
FOMBONNE, E., et al. Pervasive Developmental Disorders in Montreal, Quebec. Pediatrics, V .118, n. 1, Canada: Prevalence and Links with Immunizations, 2006, p. 139-150.
FORGAS, J.P . Feeling and thinking: The role of affect in social cognition. United King-dom: Cambridge University Press, 2001.
GODINHO, M., et al. Controlo motor e aprendizagem: Fundamentos e aplicações. Lisboa: FMH, 1999.
GRECO, P. Percepção no esporte. In: SAMULSKI, Dietmar. Psicologia Do Esporte. São Paulo: Editora Manole Ltda, 2002.
HEPBURN, S, et al. Autism symptoms in toddlers with Down syndrome: a descriptive study. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, V.21, 2008, p. 48-57.
KANER, L. Affective disturbances of affective contact. The Nervous Child, V. 2, 1943, p. 217-250.
KARAGIANNIS, A.; STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Fundamentos do Ensino Inclusivo. In: STAINBACK, S.; STAIN-BACK, W. Inclusão: Um guia para Educadores. Trans. M. Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999.
KLIN, A. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Revista Brasileira de Psiquiatria, V. 28, supl I, 2006, p. 3-11.
KLIN, A.; MERCADANTE M. T. Autismo e Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Revista Brasileira de Psiquiatria, V. 28, supl I, 2006, p.1-26.
KLIN, A.; ROSARIO, M. C.; MERCADANTE M. T. Autismo, síndrome de Asperger e cérebro social. In: MERCADANTE, M. T.; ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
KRISTEN, R.; BRANDT, C.; CONNIE, K. General education teachers' relationships with included students with Autism. Journal of Autism and developmental disorders, V. 33, 2003, p.123-130.
LI, M. L. Factors leading to success in full inclusion placements for students with Autism. Dissertation Abstracts International, V. 63, n.5-B, 2002.
LOWENTHAL, R., et al. Prevalence of pervasive developmental disorder in Down´s syndrome. Journal of Autism and developmental disorders, V. 37, n. 7, 2007, p.1394-1395.
MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
MENDES, E. G.; FERREIRA, J. R.; NUNES, L. R. O. P . Integração/inclusão: o que revelam as teses e dissertações em educação e psicologia. In: NUNES SOBRINHO, F. P . (Org.). Inclusão educacional: pesquisas e interfaces. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2003.
MERCADANTE, M. T.; ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
MERCADANTE, M. T.; VAN DER GAAG, R. J.; SCHWARTZMAN, J. S. Transtornos invasivos do desenvolvimento não-autísticos: síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação. Revista Brasileira de Psiquiatria, V. 28, supl I, 2006, p. 12-20.
MITTLER, P . Educação inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
MOLLOY , C. A., et al. Differences in the clinical presentation of Trisomy 21 with and without autism. Journal of Intellectual Disability Research, V. 53, p.143-151, 2009.
MONTENEGRO, M. N. Atenção Compartilhada. In: MERCADANTE, M. T., ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
MOURA, P . J.; MARIN, J. C. M.; MERCADANTE, M. T. Evolução Cérebro Social e Autismo. In: MERCADANTE, M. T.; ROSA-
RIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
RIVIERE, A. Autismo: Enfoques actuales para padres y profesionales de la salud y la educación. In: VALDEZ D. Autismo: Enfoques actuales para padres y profesionales de la salud y la educación. Argentina: Fundec, 2001.
ROLLS, E.T. The orbitofrontal cortex and reward. Cerebral Cortex, V. 10, 2000, p. 284-294.
ROLLS, E. T., et al. Emotion- related learning in patients with social and emotional changes associated with frontal lobe damage. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry, V. 12, 1994, p. 1518-1524
O conceito de transtorno de espectro autista (TEA) surge diferenciando estas cinco condições e agrupando o autismo, a síndrome de Asperger e os TGD-SOE (MERCADANTE et. al., 2006). Referem-se a um grupo de distúrbios da socialização com início precoce, geralmente antes dos 3 anos, e curso crônico (KLIN, 2006) e são caracterizados por um quadro clínico no qual os indivíduos demonstram diminuição qualitativa da comunicação e da interação social, restrição de interesses, além de apresentarem comportamentos estereotipados e maneirismos (WHO, 1993; APA, 1995).
As apresentações clínicas podem variar tanto em relação ao perfil da sintomatologia quanto ao grau de comprometimento. Estes transtornos configuram-se como distúrbios do neurodesenvolvimento decorrentes de alterações nos circuitos do cérebro social, interferindo nos processos de desenvolvimento social, cognitivo e da comunicação.
A heterogeneidade das manifestações comportamentais e os diferentes graus de acometimento estão relacionados a uma possível natureza dimensional do transtorno e que, por natureza, são transtornos do neurodesenvolvimento que acometem mecanismos cerebrais de sociabilidade básicos e precoces (KLIN, 2006). Apesar da etiologia do TGD não estar totalmente estabelecida, diversos estudos apontam associações deste com alterações genéticas e de bases neurológicas, além de acidentes pré-natais, distúrbios metabólicos e infecções pós-natais (SLONIMS, BAIRD, CASS, 2003). Portanto, qualquer tentativa de compreendê-los requer uma análise em diferentes níveis, como do comportamento à cognição, da neurobiologia à genética, e as estreitas interações entre cérebro, ambiente e comportamento ao longo do tempo (KLIN & MERCADANTE, 2006).
O autismo clássico e a Síndrome de Asperger são os mais conhecidos entre os TGD. Esses indivíduos geralmente exibem alterações cognitivas que acarretam dificuldades para compreender situações sociais e as regras implícitas no relacionamento interpessoal, comunicar-se de maneira interativa, lidar com situações inusitadas e ser capaz de regular os seus comportamentos de acordo com o contexto. Desta maneira, são indivíduos normalmente inflexíveis, apegados à rotina e a interesses específicos, o que os torna muitas vezes inadequados e desadaptados socialmente (KLIN, 2006). Os primeiros trabalhos só começaram a ser descritos em 1956, por Kanner , o que pode considerá-lo um transtorno muito novo, porém, neste período, não têm faltado esforços e pesquisas nas mais diversas áreas de investigação para o entendimento destes transtornos. Dezenas de pesquisas já foram realizadas para estabelecer a prevalência de TID. O primeiro estudo epidemiológico sobre autismo foi realizado por Lotter , em 1966, na Inglaterra, que verificou uma taxa 4,1/10.000 para autismo infantil. Durante o período de 1966 a 1991, a taxa média de prevalência para autismo infantil encontrada nos estudos era de 4,4/10.000. Posteriormente, a prevalência atinge 12,7/10.000 nos estudos realizados até 2001. Os estudos atuais apontam estimativas de taxas de prevalência de TGD, variando entre 20 e 66 para 10.000 indivíduos (FOMBONNE et al, 2006; WILLIANS; BRAYNE; HIGGINS, 2006), sendo que o Center for Disease Control and Prevention estimou, em 2007, a taxa de 6,7 para cada 1000 crianças em idade escolar ou seja, não sendo, portanto, mais considerado um transtorno raro (MOLLOY et al , 2009) . Nota-se que houve um aumento na taxa de prevalência estimada por estudos atuais. Este aumento se deve provavelmente à ampliação do conceito ao longo do tempo e do maior conhecimento das condições médicas dos TGD. Além disso, fatores diversos, como diferenças metodológicas empregadas nas pesquisas e maior aceitação da comorbidade do autismo como síndrome do X frágil, esclerose tuberosa, SD, entre outras patologias, contribuem para essa variação (FOMBONNE, 2003; WILLIAMS, BRAYNE, HIGGINS, 2006). Finalmente, existem evidências na literatura de que há uma maior incidência de autismo em meninos do que em meninas, sendo a proporção de quatro meninos para cada menina (CHARMAN, 2002). Outro fator de extrema importância são as condições médicas associadas aos TEA. Essas condições são bastante comuns, sendo consideradas mais freqüentes a epilepsia, o X frágil, a esclerose tuberosa e a síndrome de Down (FOMBONNE, 2003; VOLKMAR, 2002; WILLIAMS, BRAYNE, HIGGINS, 2006). Com relação à síndrome de Down, os últimos estudos têm apontado para uma prevalência dessa associação muito maior do que antes descrita e que, quando feito o diagnóstico e as intervenções adequadas, os prognósticos e resultados são melhores (LOWENTHAL et. al., 2007, MOLLOY et. al., 2009; HEPBURN et. al., 2008). Cognição Social e Funções Executivas Nas últimas décadas, as pesquisas em neurociências têm se desenvolvido com rapidez e eficiência. Várias são as áreas beneficiadas com este novo conhecimento científico. A educação pode se beneficiar desses conteúdos e o processo de ensino e aprendizado pode ser melhor compreendido quando se utiliza a neurociências como mais uma ferramenta. O professor com esses conhecimentos enriquecerá seu repertório na forma de ensinar seus alunos e com isso entenderá melhor a forma de aprendizado de cada um. O cérebro social é definido pelas neurociências como conjunto de regiões cerebrais que são ativadas durante o desempenho de atividades sociais. Essas estruturas estão ligadas umas as outras formando redes neurais (KLIN, ROSARIO, MERCADANTE, 2009).
A cognição social é o processo neurobiológico ou cognitivo que elabora a conduta adequada em resposta a outros indivíduos da mesma espécie, especificamente, aqueles processos cognitivos superiores que sustentam as condutas sociais extremamente diversas e flexíveis (ADOLPHS, 1999), ou seja, é o processo que permite humanos interpretar adequadamente signos sociais.
A cognição social lida com o mundo estritamente social, não com os mundos físico e lógico-matemático, embora todos os três obviamente tenham as marcas do engenho cultural humano (FLAVEL, MILLER, MILLER, 1999). Segundo Escartí (2002), são estas estruturas cognitivas que constituem a base do comportamento humano e que influenciam a conduta social do sujeito e as suas respostas emocionais e afetivas perante um grupo. Desta forma, o objeto de estudo da cognição social é a análise dos comportamentos humanos, levando em conta as condições pessoais e da situação. Se, por
um lado, a parte social reconhece a importância do envolvimento no comportamento humano, por outro a parte cognitiva realça a influência que têm os processos de pensamento e as estruturas mentais os quais possibilitam o processamento de informação e interferem na construção da nossa realidade do mundo. Na teoria do processamento de informação, o cérebro pode ser caracteriza do funcionalmente como um dispositivo biológico para o processamento de informação. A cognição, enfim, é um processo de construção interna do conhecimento, incluindo atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e discurso (VARELA et. al., 2003).
Várias estruturas anatômicas são implicadas nestes processos: a amígdala, o córtex pré-frontal ventromedial, a ínsula e o córtex somatosensorial direito (BEER, OCHSNER, 2006). O córtex pré-frontal ventromedial está comprometido com o raciocínio social e com a tomada de decisões; a amígdala, com o julgamento social de faces; o córtex somatossensorial direito, com a empatia e com a simulação; enquanto a ínsula, com a resposta autonômica. Essas estruturas cerebrais atuam como mediadores entre as representações perceptivas dos estímulos sensoriais e a recuperação do conhecimento que o estímulo pode ativar .
A capacidade de empatia ou a habilidade de detectar o que outra pessoa sente é medida pela capacidade de poder reproduzir em nosso próprio organismo um estado emocional similar . Para isso, devem estar preservados os mecanismos de interpretação de signos emocionais relevantes, bem como o córtex somatosensorial direito e a ínsula (CASELLI, 1997). Uma das maneiras possíveis de se investigar a capacidade de um indivíduo de interpretar a expressão emocional de uma face é reproduzir a expressão da face no próprio organismo (através do córtex somatossensorial direito e da ínsula) e detectar o sentimento que desencadeia (ADOLPHS, 1999). Nessa situação, os pacientes com lesão em tais áreas apresentam transtornos no juízo emocional de faces (ROLLS et.al., 1994).
À medida que a criança cresce de maneira normal, aprende a manipular essas emoções conforme as normas e expectativas sociais (ROLLS, 2000), desenvolvendo uma correta cognição social. Assim, o córtex pré-frontal ventromedial permite uma integração entre a percepção de uma emoção e a resposta que desencadeia, seja uma conduta complexa elaborada pelo neocórte orbitário, seja uma resposta autonômica ou motora (incluída a atenção) através das eferências amigdalinas (BELISÁRIO FILHO, 2009). Os fatores cognitivos que mais influenciam o processamento da informação são: percepção, atenção e memória. A percepção pode ser definida como "entrada na consciência de uma impressão sensorial" (GRECO, 2002), através da qual o sujeito forma uma imagem de si próprio e do ambiente que o rodeia. De acordo com Eysenck e Keane (1994), este processo de transformação da realidade factual (objetiva) em realidade pessoal (subjetiva) envolve uma mobilização e operacionalização dos mecanismos cerebrais centrais. Os processos perceptivos, que se estabelecem na interação do sujeito com o meio, diferenciam-se conforme a tarefa a ser realizada. O sujeito acredita e aceita os que as suas impressões sensoriais recebem, porém a sua percepção poderá ser influenciada pela sua realidade pessoal (experiências e vivências anteriores). Para que se tenha percepção, é necessário recorrer aos mecanismos de atenção de modo que o sujeito tome consciência dos estímulos que o envolvem (VIANA & CRUZ, 1996) e que os reconheça e/ou compare com as informações contidas na memória. A partir deste processo, é que a informação será processada e será feita a tomada de decisão e ação. A escolha e interpretação da informação dependem da estrutura cognitiva e das relações pessoais e ambientais, ou seja, resulta da interação (que abrange informações sobre si próprio) e o meio ambiente (forma como as informações sobre o que se passa a sua volta são percebidas) (GRECO, 2002).
A atenção é o processo que nos "leva a dirigir e manter a consciência nos estímulos percebidos" (VIANA & CRUZ, 1996), vindos do meio com o qual interagimos e/ou do nosso organismo. Este mecanismo é crucial na determinação da informação que deve ou não ser retida na memória, o que afeta a quantidade e extensão a ser armazenada para posterior utilização. O processo de guardar a informação na memória é um dos aspectos mais importantes do processamento de informação humana, uma vez que este sistema depende da interação da informação nova, que é apresentada ao sujeito, com a informação retida anteriormente (GODINHO et. al., 1999). A memória é conceituada como a capacidade que os seres humanos possuem de separar e organizar as informações dos estímulos recebidos. Na aprendizagem, este processo é de extrema relevância (ibidem). A memória permite evocar informações passadas, confrontando-as com outras mais recentes. E é desta associação de informações que resulta a dinâmica das nossas relações sociais e a formação das impressões acerca das outras pessoas. A teoria da cognição social elucida o modo como o desenvolvimento cognitivo auxilia e possibilita a formação do apego. O interesse pelo meio social nas crianças é evidente desde o nascimento. A criança busca seus parceiros sociais através de mecanismos básicos de socialização, como a atenção seletiva para faces sorridentes ou vozes agudas e brincadeiras. O desenvolvimento das habilidades sociais, cognitivas e de comunicação se estabelece a partir desta troca que por reciprocidade tornam-se altamente reforçadoras tanto para a criança quanto para seu parceiro social (MONTENEGRO, 2009). Flavell et. al. (1999) descrevem cinco pré-requisitos cognitivos para a formação do apego: (1) a capacidade crescente dos bebês de fazer discriminações visuais finas; (2) o potencial para processar os sons da fala humana; (3) a capacidade do bebê de construir expectativas quanto às interações recíprocas com um adulto; (4) o desenvolvimento da permanência dos objetos, sendo particularmente em primeiro lugar o da permanência da mãe; e (5) competência precoce dos bebês para a imitação, que leva a uma atenção seletiva para determinadas figuras do ambiente. Cognição e afeto são duas dimensões indissociáveis, e a separação entre elas acontece no plano teórico muito mais por conveniência do que por se tratar de dimensões distintas e independentes da mente (FORGAS, 2001). É importante levar em conta que o relacionamento entre cognição e emoção é crucial para a compreensão do desenvolvimento em geral. O desenvolvimento cognitivo, portanto, permite que a criança assuma um papel diferente em suas interações sociais e seus relacionamentos: uma troca para um papel de participante mais ativo e intencionalmente dirigido. Os próprios relacionamentos se tornam mais maduros em virtude da nova habilidade do bebê em desconstituir laços discriminados e duradouros (BELISARIO FILHO, 2009).
A cognição social envolve a compreensão sobre as pessoas, suas ações e a relação entre os próprios sentimentos, pensamentos e ações, tanto quanto a relação entre esses aspectos pessoais e os aspectos correspondentes nas outras pessoas vinculadas ao apego pode possibilitar e facilitar maior atenção e conscientização das pessoas nas suas relações, reconhecendo e discriminando os seus padrões dessas interações. As funções executivas possibilitam ao indivíduo desenvolver comportamentos adaptativos por intermédio de habilidades que envolvem planejamento estratégico, flexibilidade e regulação da ação baseada em pistas fornecidas pelo meio (MERCADANTE, 2009). É a capacidade de manter um posicionamento para resolver adequadamente um problema futuro. A criança desenvolve gradativamente estas funções, o que possibilita aquisições para a cognição social e para a formação dos laços de apego (SECRETARIA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2007).
Alterações nos Transtornos Globais do Desenvolvimento e Inclusão Escolar . Os indivíduos com TGD apresentam alterações na estrutura e no funcionamento do cérebro, bem como déficits significativos em habilidades sócio cognitivas, prejuízos no reconhecimento, entendimento e compartilhamento de suas emoções com os outros. A partir dos conceitos de cognição social, pode-se pensar que os TGD são um transtorno de cognição social. A inabilidade social é resultante da dificuldade em entender o próprio estado mental, assim como o dos outros. Esse prejuízo parece advir do escasso contato olho a olho e da incapacidade de imitação de outras funções primárias na construção de um cérebro social (MERCADANTE & ROSARIO, 2009). Pacientes com autismo, que possuem anormalidades estruturais ou funcionais na amígdala, não têm capacidade de atribuir um estado mental ou inferir uma emoção em outra pessoa através do olhar . Isso foi demonstrado através de estudos funcionais e deu lugar à teoria do transtorno amigdalino no autismo (BARON-COHEN et. al., 2000).
Estudos mostram uma relação entre alterações na comunicação, interação social e comportamento repetitivo e restritivo, com disfunções cognitivas, principalmente funções executivas e percepção social. Os indivíduos com TGD apresentam déficits em funções executivas que envolvem principalmente o planejamento e a flexibilidade mental. O planejamento é uma operação mental complexa e dinâmica que envolve a organização seqüencial de ações, constantemente monitoradas e reguladas pelo próprio indivíduo. A flexibilidade mental caracteriza-se pela capacidade de modificar/adaptar pensamentos ou ações conforme mudanças de contextos, sendo que um prejuízo nessa função pode acarretar comportamentos repetitivos e estereotipados (ARAÚJO & VALLE, 2009). Riviere (2001) aponta que os indivíduos com TGD apresentam uma importante alteração na função executiva, a flexibilidade. Essa função está muito alterada nesses pacientes e, quanto mais grave o quadro, mais grave a inflexibilidade. Com o desenvolvimento e na presença de ambientes favoráveis, alguns pacientes se tornaram mais flexíveis. Deste modo, a inclusão escolar é a melhor e a mais adequada estratégia de modificarmos os ambientes sociais para acolher essas crianças. Dez crianças autistas foram estudadas por Boutot e Bryant (2005) em classes regulares da educação fundamental, onde observaram o efeito cognitivo das relações sociais. Esse trabalho mostrou que, na avaliação de aceitabilidade, popularidade, visibilidade e amizade com o grupo, não houve nenhuma diferença em relação às crianças sem autismo, pois as crianças com autismo eram chamadas para brincar no recreio, participar de festas de aniversário, trabalhar em projetos escolares, entre outras coisas. Concluiu-se também que características autísticas, como comunicação, comportamentos estereotipados e falta de socialização não atrapalharam na construção das relações sociais.
A partir do direito e de experiências que estão acontecendo no Brasil, percebe-se em crianças, adolescentes e jovens com TGD uma melhora em seus quadros clínicos quando elas freqüentam classes comuns do ensino regular. Diversos trabalhos têm sido publicados, nos quais são contadas experiências individuais e pontuais de alunos com TDG em escolas regulares, seja no ensino infantil, seja no ensino fundamental (CARVALHO, 2009; SECRETARIA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2007). A educação é a base de toda construção social, intelectual, de interação e crescimento individual. Se a criança for estimulada a descobrir seu potencial desde cedo, as dificuldades deixam de persistir em tudo o que ela faz, precisando, portanto, de novos desafios para aprender a viver cada vez mais com autonomia, e não há lugar melhor do que a escola para que isso se concretize. O acesso de crianças com TGD na rede regular pode promover grandes avanços em seu desenvolvimento nos processos de ensino-aprendizagem, socialização e inserção ao meio social, principalmente quando contamos com profissionais capacitados nas escolas e o auxílio de uma equipe multidisciplinar (CARVALHO, 2009).
A inclusão escolar possibilita às crianças com TGD oportunidades de convivência com outras crianças da mesma idade, constituindo-se num espaço de aprendizagem e de desenvolvimento social. Possibilita-se o estímulo de suas capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo. Acredita-se que as habilidades sociais são passíveis de serem adquiridas pelas trocas que acontecem no processo de aprendizagem social. A oportunidade de interação compares é a base para o desenvolvimento de qualquer criança. A partir destas considerações, fica evidente que crianças sem problemas no seu desenvolvimento fornecem modelos de interação para crianças com TGD, ainda que a compreensão social seja difícil. Acredita-se que a convivência compartilhada das crianças com TGD na escola possa oportunizar os contatos sociais e favorecer não só o seu desenvolvimento, mas o das outras crianças, na medida em que estas últimas convivam e aprendam com as diferenças. Entretanto, este processo requer respeito às diferenças de cada criança. O relacionamento do professor foi observado em alguns trabalhos. Quando os professores percebiam mais positivamente seu relacionamento com os alunos com TGD, o índice de problemas de comportamento destas crianças foi menor e elas foram mais socialmente incluídas na sala de aula (BRANDT & CONNIE,2003). Fica claro que, quando o professor consegue trabalhar seus medos, seu desconhecimento e a escola abraça o aluno com TGD como um aluno que faz parte da escola, o êxito nos processos são significativos. Bosa (2002), em um estudo exploratório sobre as expectativas dos professores frente à possibilidade de inclusão de alunos com autismo em suas classes, demonstrou que os professores manifestaram uma tendência a centralizar suas preocupações em fatores pessoais, como medo, ansiedade frente à sintomatologia mais do que a criança em si. Os professores, também, apresentam idéias distorcidas a respeito do autismo, principalmente quanto à capacidade de comunicação.
Em 2004, Serra verificou os efeitos da inclusão nos comportamentos de uma criança com autismo na escola regular . Os resultados mostraram que a inclusão trouxe benefícios para a criança, como a melhora significativa da concentração nas atividades propostas, bom estabelecimento de relacionamentos com os colegas e no comportamento de atender as ordens. Além disso, efeitos positivos na família proporcionaram um maior investimento na aprendizagem da criança e um maior aumento nas suas potencialidades. Outro fator importante observado foi os benefícios que a escola teve a partir da inclusão deste aluno, pois outras crianças com deficiência ingressaram na escola e a equipe passou a estudar teorias que embasam a Educação Especial nos grupos de formação continuada de professores. Quando estudada a perspectiva dos pais de crianças com TGD quanto ao seu sucesso da inclusão escolar , observou-se um aumento de benefícios da inclusão na escola comum comparado aos da educação especial e o aumento das habilidades cognitivas, sociais e de comunicação das crianças, embora com dificuldades (LI, 2002). Charman, Howlin, Berry e Prince (2004) demonstraram, através de entrevista com 125 pais de crianças com autismo (57 das quais foram refeitas após um ano de inclusão de seus filhos), os progressos no desenvolvimento de crianças, tais como mudanças positivas nas habilidades de socialização e de comunicação. Um estudo de observação sistemática de interações das crianças na escola entre uma criança com desenvolvimento típico e uma com autismo, da mesma idade e sexo, demonstrou diferenças e semelhanças no perfil de interação das duas crianças. Enquanto o perfil de competência social da criança com desenvolvimento típico praticamente não variou entre os contextos, a criança com autismo demonstrou uma freqüência maior de comportamentos de sociabilidade/cooperação e asserção social e menor freqüência de agressão e desorganização do self, no pátio (CAMARGO, 2007)
Educação Inclusiva
De acordo com os princípios e fins da educação nacional, a educação é inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. A prática pedagógica é um elemento-chave na transformação da escola, estendendo essa possibilidade de transformação à sociedade. Em função do tema da diversidade, as práticas pedagógicas têm caminhado no sentido da pedagogia das diferenças (MENDES, 2002).
Promover a inclusão significa, sobretudo, uma mudança de postura e de olhar acerca da deficiência. Implica em quebra de paradigmas, em reformulação do nosso sistema de ensino para a conquista de uma educação de qualidade, na qual o acesso, o atendimento adequado e a permanência sejam garantidos a todos os alunos, independentemente de suas diferenças e necessidades . Segundo Mantoan (2003), a "inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender , mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral". A inclusão escolar propõe uma nova educação, pois reconhece aquele que, até então, estava excluído da relação professor-aluno. Desse modo, o aluno com deficiência é visto como parte de uma relação complementar , na qual um se constitui através do outro.
A inclusão total e irrestrita e o direito à diferença nas escolas é uma oportunidade que se tem para reverter a situação da maioria das escolas, as quais atribuem aos alunos as deficiências que são do próprio ensino e raramente analisa o que e como a escola ensina, de modo que os alunos não sejam penalizados pela repetência, a evasão, a discriminação, a exclusão (MANTOAN, 2003). Segundo Mittler (2003), por mais comprometido que o governo seja com a questão da inclusão e da exclusão em sala de aula, "são as experiências cotidianas das crianças na sala de aula que definem a qualidade de sua participação e a gama total de experiências de aprendizagem oferecidas em uma escola". Outro valor de extrema importância é o perfil desse currículo: crianças apoiando crianças; um processo de inclusão escolar para ser bem-sucedido vai depender da participação das outras crianças. A proposição é que cada vez mais os professores assegurem que as crianças com habilidades variadas aprendam umas com as outras. Educando todos os alunos juntos, as pessoas com deficiência têm oportunidade de preparar-se para a vida na comunidade, os professores melhoram suas habilidades profissionais e a sociedade toma a decisão consciente de funcionar de acordo com o valor social de igualdade para todas as pessoas, com os conseqüentes resultados de melhoria da paz social (KARAGIANNIS, STAIN-BACK & STAINBACK,1999).
Considerações Finais
A inclusão escolar pede que novos contextos escolares sejam criados para que todas as crianças, adolescentes e jovens, independente de suas condições humanas, possam participar da escola. Pensar inclusão escolar a partir das pessoas com TGD é enriquecer e diversificar o processo ensino/aprendizagem. Devemos lembrar que o espectro de sintomatologia e características das pessoas com TGD é tão amplo e tão diverso que se torna impossível traçar normas de como deve ser feita a inclusão destes alunos. A escola deve, a partir da sua realidade e das características individuais de cada aluno, buscar estratégias para que o processo de ensino/aprendizagem aconteça com qualidade. A possibilidade que cada aluno traz e os objetivos traçados no projeto político pedagógico de cada escola é que fará com que a educação seja de qualidade para todos.A escola pode ser de fato um lugar de competência social para qualquer criança, mas pode ser especialmente importante para as crianças com TGD. É neste espaço que elas podem aprender com outras crianças, exercitar a sociabilidade por mais comprometida que seja e finalmente exercer um direito indisponível, o da educação. A prática urge medidas de transformação do contexto escolar . É preciso que se conheçam melhor conceitos como de cognição, de neurociências, do processo de aprendizado, os quais possam auxiliar os professores com cada aluno no seu dia a dia. Além disso, as práticas devem ser cada vez mais documentadas, pois poucas são as pesquisas que temos ainda quando falamos de inclusão escolar de alunos com TGD.
Referências
ADOLPHS, R. How do we know the minds of others? Domain-specificity, simulation, and enactive social cognition. Brain Research,v. 1079, 2006, p. 25-35.
AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION: DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
ARAUJO, C. I. L.; VALLE, S. L. R. Avaliação Neuropsicológica. In: MERCADANTE, M.
T., ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
BARON-COHEN, S., et al. The amygdale theory of autism. Neurosci Biobehav Rev,
V. 24, n.3, 2000, p. 355- 364.
BEER, J. S.; OCHSNER, K. N. Social cognition: A multi level analysis. Brain Research, v.1079,,2006, p. 98-105.
BELISÁRIO FILHO, J. F. Inclusão escolar na perspectiva da saúde mental: um estudo com adolescentes de áreas de risco da cidade do Rio de Janeiro. Tese (Tese de Doutorado). Belo Horizonte: Fundação Osvaldo Cruz, 2009.
BOSA, C. A. Autismo: Atuais interpretações para antigas observações. In: BAPTISTA, C. R., BOSA, C. A. Autismo e Educação: Reflexões e propostas de intervenção. Porto Alegre: Artmed, 2002.
BOUTOT, E. A.; BRYANT, D. P . Social integration of studies with autism in inclusive settings. Education and training in devel pomental disabilities, V. 40, n. 1, 2005, p.
14-23.
CARVALHO, R. Inclusão e escolarização de alunos autistas. Pedagogia em Ação, V. 1, n. 1, 2009, p 111-114.
CASELLI, R. Tactile agnosia and disorders of tactile perception. In: FEINBER, T. E, FARAH, M. J. (Org). Behavioral neurology and neuropsychology. New York: McGrawHill, 1997.
CENTER FOR DISEASE OF CONTROL
AND PREVENTION. Evaluation of a methodology for a collaborative multiple source urveillance network for autism spectrum disorders. Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network. United States: MMWR Surveill Summ, V. 56, n. 1,2007, p. 29-40.
CAMARGO, S. P . H. Competência social, inclusão escolar e autismo: um estudo de caso comparativo. Dissertação (Dissertação de Mestrado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.
Inclusao 8 - FNDE - 04 - Troca de fotos.qxd 19/5/2010 17:10 Page 45Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010 46
CAMARGO, S. P . H.; BOSA, C. A. Competência social, inclusão escolar e autismo: revisão critica da literatura. Psicol. Soc,V. 21, n. 1, 2009.
CHARMAN, T. The prevalence of autism spectrum disorders, recent evidence and future challenges. European Child & Adolescent Psychiatry, V. 11, 2002, p. 259-266.
CHARMAN, T., et al. Measuring developmental progress of children with autism spectrum disorder on school entry using parent report. Autism, V. 8, 2004, p. 89- 100.
ESCARTÍ, A. La teoria cognitiva social em el estúdio de la practica de ejercicio. In: SIDÓNIO, S.; DUARTE, A. Psicologia do desporto e do exercício: compreensão e aplicações. Lisboa: Sociedade Portugue- sa de Psicologia do Desporto, 2002.
EYSENCK, M.; KEANE, M. Psicologia Cognitiva: Um Manual Introdutório. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FLAVELL, J. H.; MILLER, P . H.; MILLER, A. S. Desenvolvimento Cognitivo. Porto Alegre: Artmed,1999.
FOMBONNE, E. Epidemiological surveys of autism and other pervasive developmental isorders: an update. Journal of Autism and Developmental Disorders, V. 33, n. 4, 2003, p. 365-382.
FOMBONNE, E., et al. Pervasive Developmental Disorders in Montreal, Quebec. Pediatrics, V .118, n. 1, Canada: Prevalence and Links with Immunizations, 2006, p. 139-150.
FORGAS, J.P . Feeling and thinking: The role of affect in social cognition. United King-dom: Cambridge University Press, 2001.
GODINHO, M., et al. Controlo motor e aprendizagem: Fundamentos e aplicações. Lisboa: FMH, 1999.
GRECO, P. Percepção no esporte. In: SAMULSKI, Dietmar. Psicologia Do Esporte. São Paulo: Editora Manole Ltda, 2002.
HEPBURN, S, et al. Autism symptoms in toddlers with Down syndrome: a descriptive study. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, V.21, 2008, p. 48-57.
KANER, L. Affective disturbances of affective contact. The Nervous Child, V. 2, 1943, p. 217-250.
KARAGIANNIS, A.; STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Fundamentos do Ensino Inclusivo. In: STAINBACK, S.; STAIN-BACK, W. Inclusão: Um guia para Educadores. Trans. M. Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999.
KLIN, A. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Revista Brasileira de Psiquiatria, V. 28, supl I, 2006, p. 3-11.
KLIN, A.; MERCADANTE M. T. Autismo e Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Revista Brasileira de Psiquiatria, V. 28, supl I, 2006, p.1-26.
KLIN, A.; ROSARIO, M. C.; MERCADANTE M. T. Autismo, síndrome de Asperger e cérebro social. In: MERCADANTE, M. T.; ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
KRISTEN, R.; BRANDT, C.; CONNIE, K. General education teachers' relationships with included students with Autism. Journal of Autism and developmental disorders, V. 33, 2003, p.123-130.
LI, M. L. Factors leading to success in full inclusion placements for students with Autism. Dissertation Abstracts International, V. 63, n.5-B, 2002.
LOWENTHAL, R., et al. Prevalence of pervasive developmental disorder in Down´s syndrome. Journal of Autism and developmental disorders, V. 37, n. 7, 2007, p.1394-1395.
MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
MENDES, E. G.; FERREIRA, J. R.; NUNES, L. R. O. P . Integração/inclusão: o que revelam as teses e dissertações em educação e psicologia. In: NUNES SOBRINHO, F. P . (Org.). Inclusão educacional: pesquisas e interfaces. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2003.
MERCADANTE, M. T.; ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
MERCADANTE, M. T.; VAN DER GAAG, R. J.; SCHWARTZMAN, J. S. Transtornos invasivos do desenvolvimento não-autísticos: síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação. Revista Brasileira de Psiquiatria, V. 28, supl I, 2006, p. 12-20.
MITTLER, P . Educação inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
MOLLOY , C. A., et al. Differences in the clinical presentation of Trisomy 21 with and without autism. Journal of Intellectual Disability Research, V. 53, p.143-151, 2009.
MONTENEGRO, M. N. Atenção Compartilhada. In: MERCADANTE, M. T., ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
MOURA, P . J.; MARIN, J. C. M.; MERCADANTE, M. T. Evolução Cérebro Social e Autismo. In: MERCADANTE, M. T.; ROSA-
RIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
RIVIERE, A. Autismo: Enfoques actuales para padres y profesionales de la salud y la educación. In: VALDEZ D. Autismo: Enfoques actuales para padres y profesionales de la salud y la educación. Argentina: Fundec, 2001.
ROLLS, E.T. The orbitofrontal cortex and reward. Cerebral Cortex, V. 10, 2000, p. 284-294.
ROLLS, E. T., et al. Emotion- related learning in patients with social and emotional changes associated with frontal lobe damage. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry, V. 12, 1994, p. 1518-1524